A lenda do filme em que Jesus e os apóstolos seriam apresentados como homossexuais circulou pela Europa através de cartas e fax por muitos anos até que a Internet apareceu para tornar a divulgação da mentira muito mais rápida. Essa lenda chegou ao Brasil e produziu alguns abaixo-assinados. Welcome to the real world, you're HIV Positive, Vous venez d'être infecté par le VIH, "Bem vindo ao mundo da AIDS" (sic). Certamente, mensagens em outros idiomas circulam pela rede alertando para um acidente que jamais ocorreu: uma pessoa ser infectada por uma seringa contaminada num cinema, num teatro ou num metrô. Versões dessa lenda asseguram que o fato teria ocorrido em São Paulo, Montreal, Bombaim, Denver, Dallas e Escondido. (Escondido é uma cidade da Califórnia - EUA.) Na era pré-Internet, as lendas, os rumores e os boatos circulavam boca-a-boca ou via correspondências. Disseminando-se de uma forma ou de outra, essas histórias tinham circulação um tanto restrita ou se espalhavam lentamente. Além disso, naquele tempo, como hoje em dia, correspondências se perdiam, ficavam guardadas em pastas esquecidas. Os contadores de boatos esqueciam algum detalhe e os recontavam à sua maneira acrescentando um ou dois pontos. A função de esquecimento está presente nos seres humanos, pois afinal de contas, não se pode guardar todas as ocorrências do dia-a-dia na memória. Já a Internet tem a mesma virtude atribuída aos elefantes: uma excelente memória. Eles não esquecem jamais. Na Internet, nada se perde, tudo se arquiva. A Internet tem uma memória permanente pelo menos no que diz respeito às mensagens postadas em listas de discussão. As mensagens enviadas ficam arquivadas enquanto a lista existir. Há listas, criadas ainda na década de oitenta, que se mantêm vivas e com os seus arquivos atualizados. Além disso, há pessoas que possuem o hábito de manter um arquivo com todas as mensagens recebidas e enviadas. Enchem discos rígidos ou CD-ROM e os guardam da mesma forma como havia pessoas, e certamente ainda há, com mania de guardar todo o papel que lhe passa pela frente. Somadas as duas coisas, os arquivos das listas de discussão (e suas cópias de segurança) e mais os arquivos pessoais não seria difícil acreditar que tudo o que circulou pela Internet desde o seu nascimento até os dias de hoje ainda poderia ser recuperado. Inclusive todas as versões das lendas, dos boatos, dos rumores. O que antes era recontado segundo a percepção ou a preferência do contador da história, agora pode ser passado adiante, pode ser encaminhado na sua versão original. Virtude ou defeito? Nem uma coisa nem outra. É, apenas, uma característica. O que se vê é a mesma história ressurgir de tempos em tempos. Uma nova leva de recém-chegados à Internet "descobre" uma dessas histórias e logo cuida ressuscitá-la, não como uma nova versão "revista e atualizada" mas com o mesmo e antigo formato. O sapato É bem conhecida a história do sujeito que deu uma escapada para fazer um programa com a amante. No dia seguinte, pela manhã, ele, a mulher e a sogra vão a um casamento. Vão de carro. O marido dirige. Lá pelas tantas, ele tem de dar uma freada mais brusca e toma um grande susto: um sapato vermelho (a cor varia segundo o contador da história) aparece ali bem ao lado do pedal do acelerador. "Pronto! Fulaninha esqueceu o sapato dela no carro. O que é que eu faço?" Ele tem de livrar-se da prova fatal: o sapato deve sumir imediatamente. Alguma coisa acontece do outro lado da rua, ele mostra às duas mulheres e aproveita a distração delas para jogar o sapato bem longe. Uff! Aliviado, ele segue em frente. Chegam à igreja, ele estaciona o carro e vai abraçado com a mulher quando percebe a sogra ainda dentro do carro procurando alguma coisa. O final da história fica por sua conta. (Muito tempo depois de a Playboy haver publicado essa história, um conhecido meu me contou a mesma coisa dizendo que ela havia ocorrido com o primo de um amigo dele. Ou amigo de um primo dele, não estou certo.) Existem muitas dessas histórias, bastante curiosas, que circulam dentro e fora da Internet. A lenda dos biscoitos neimann marcus circula nos Estados Unidos desde a década de trinta. Veja mais alguns exemplos: 1. Junte uma certa quantidade de anéis da tampa de latas de cerveja da marca Tal e troque-as por um brinde. Garoto paulista juntou 14 mil lacres na esperança de ganhar um computador. Veja a história. 2. Junte algumas centenas ou milhares de selos de uma marca de cigarros e entregue-os no escritório da fábrica. Por conta disso, um deficiente físico vai receber uma cadeira de rodas. 3. Um sujeito encontrou uma mulher muito atraente e os dois foram a um motel. No dia seguinte, ele acordou com um corte devidamente suturado: haviam lhe extraído um rim (ou os dois, conforme a versão). Uma versão diz que ele acordou dentro de uma banheira cheia de gelo. (Veja a "versão alternativa" dessa lenda.) 4. Uma criança estava se divertindo num brinquedo do shopping center aí veio uma cobra venenosa e picou a criança. 5. Uma pessoa amiga de um(a) amigo(a) passeava na areia da praia aí pisou numa agulha infectada com o vírus da AIDS. 6. Tomar leite e depois chupar manga pode matar. (Se você inverter a ordem, o efeito é o mesmo.) Contam que a origem dessa lenda remonta ao tempo da escravidão. Nos lugares onde havia muitas mangueiras, as mangas serviam de alimento para os escravos. Temendo que os escravos fossem tirar leite das vacas, os senhores espalhavam essa história ameaçadora. Ocorre é que os escravos se alimentavam mesmo era das mangas, fruta abundante cujo custo de aquisição era zero. Então eles ficavam com medo de morrer e não roubavam o leite das vacas destinado à casa grande, à família dos patrões. Lenda sobre uma lenda? Acredite se quiser. 7. Criança acompanhava a mãe numa loja de roupas bastante conhecida na cidade. De repente, a criança desapareceu. Apesar dos esforços do pessoal da loja, da família e da polícia a criança não foi localizada. Dias ou semanas depois, a criança reapareceu na mesma loja, mas sem um ou os dois rins, conforme a versão. 8. Uma pessoa sentou na poltrona de um conhecido cinema da cidade e sentiu uma picada no traseiro. Quando foi examinar o que ocasionara o transtorno, descobriu uma agulha de seringa com um bilhete dizendo que aquela agulha estava infectada com o vírus da AIDS. 9. Houve uma época que os homens usavam uma carteira grande ou bolsa pequena chamada, não sei por que razão, de capanga. Ao entrar no carro, o dono da capanga costumava colocá-la naquele espaço entre os dois bancos. Esse era, também, o hábito de um amigo de um amigo de não me lembro mais quem. Um dia, ele ia passando de carro por uma rua e viu uma bela jovem na calçada. Os olhares se cruzaram e imediatamente criou-se o clima adequado. Ele parou o carro. Os dois conversaram, ela entrou no carro. Conversaram. Não, naquele dia não. Talvez no dia seguinte. Mas ele poderia deixá-la um pouco mais adiante, perto da casa dela, logo ali na esquina. Chegaram, ela mostrou onde morava, desceu do carro e ele seguiu em frente. Por algum motivo, logo ele procurou a capanga ali onde ela deveria estar: entre os dois bancos. Não estava. Mas que ladra! Levou meu dinheiro, talão de cheques, cartões de crédito. Eu devia ter desconfiado. Foi fácil de mais. Voltou imediatamente, parou na frente da casa dela. | A história pode prosseguir com variadas versões. Uma delas, conta que a capanga havia escorregado para baixo do banco e ele só se deu conta disso ao chegar com a jovem na delegacia para apresentar a devida queixa. Quem se lembra daquela história de uma casal que havia prometido perder a virgindade via Internet? Quer dizer, via Internet não, pois ela não é capaz dessa proeza. A proposta (!) deles era se apresentarem ao vivo, em plena ação, diante de uma webcam (aquela camerazinha que se usa para transmitir imagens via Internet). Eles marcaram dia e hora e a notícia correu o mundo. Foi destaque em jornais, revistas, rádios, televisões e, é claro, na própria Internet. No fim das contas, tudo era uma farsa. O que os protagonistas queriam era aparecer. E apareceram. Quando tudo foi devidamente esclarecido, veio a confirmação de que a coisa não passava de um golpe publicitário. Comentários maldosos asseguravam que os dois envolvidos nem tinham essa virgindade toda...:) Como descobriram esse detalhe? Sei lá! A história das ciências registra várias situações curiosas. Uma delas, a mais interessante, é a do famoso Homem de Piltdown. Tudo não passou de uma farsa. A montagem dessa farsa foi uma brincadeira de mau gosto ou, usando um termo televisivo, uma "pegadinha". Só que essa pegadinha foi registrada como verdadeira por vários cientistas e chegou a aparecer em livros escolares. Por mais de 40 anos, de 1912 a 1953, ela foi considerada digna de crédito, especialmente na Inglaterra. E por que essa brincadeira obteve tanto sucesso na Inglaterra? Elementar, meu caro Watson: segunda essa farsa, a Inglaterra, e não a África, viria a ser o berço do homem moderno. Contam que Sir Arthur Conan Doyle, o famoso criador do detetive Sherlock Holmes, teria sido o mentor da "pegadinha" que, de início, era pra ser logo desfeita. Ocorre que um conhecido professor teria se entusiasmado demais com os supostos fósseis e os organizadores não quiseram contrariá-lo. (Veja Piltdown Man) E o que dizer da Lenda do Monstro do Lago Ness chamado carinhosamente de Nessie pelos seus admiradores? Esse monstro inexistente é, ainda hoje, uma das maiores atrações turísticas da Escócia. O turista vai até lá para não ver a famosa atração e volta pra casa satisfeito da vida. A confirmação definitiva da existência dessa plesiossáuria criatura foi uma foto que correu o mundo e chegou a ser objeto de muitos estudos. Finalmente, o autor da foto revelou que a criatura monstruosa era, de fato, um inocente brinquedo de criança, uma bóia de plástico. A péssima qualidade da foto contribuiu para reforçar a lenda. Só pra ter uma idéia da força dessa lenda: foram obtidos os seguintes resultados para o termo "ness monster" (outubro de 2002): Alltheweb: 139.595 Altavista: 26.070 Google: 36.600 Existe, até mesmo, o site do The Official Loch Ness Monster Fan Club com fotos do famoso monstro e relatos de suas mais recentes aparições.
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